Guloseimas: pesquisa brasileira desenvolve alternativa à gordura trans

guloseimas-buskvaleBiscoitos recheados, chocolates, margarinas e outros alimentos que compõem a mesa do brasileiro e contêm lipídios ou gorduras em sua formulação podem ficar ainda mais gostosos se devidamente controlados em sua produção, estocagem e transporte. É o que revela tese de doutorado em tecnologia de alimentos desenvolvida ao longo de quatro anos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Propondo a adição de dois emulsificantes, a pesquisadora Maria Aliciane Fontenele Domingues conseguiu controlar a cristalização de gorduras, processo que influencia na consistência, textura e palatabilidade de diversos tipos de alimentos industrializados à base de gorduras. A substituição de gorduras parcialmente hidrogenadas – ricas em ácidos graxos trans e maléficas à saúde –, por gorduras mais saudáveis, nos últimos anos, tem alterado fisicamente as guloseimas, levando a situações desgostosas ao consumidor ao abrir a embalagem e encontrar um biscoito mole, por exemplo.

“Problemas na formação dos cristais das gorduras interferem diretamente na produção dos alimentos, causando, por exemplo, a exsudação de óleo em biscoitos recheados. Durante a estocagem e transporte, pode ocorrer perda de óleo do recheio para o biscoito, prejudicando a textura e aparência do produto. Isso é um problema de cristalização. A gordura não consegue ficar estável, dependendo de como ela foi produzida e de qual matéria-prima está ali. Isso também pode ocorrer em margarinas e chocolates”, explica a pesquisadora, ressaltando que a cristalização de lipídios ou gorduras é um dos maiores problemas e, portanto, desafio, da indústria de alimentos.

As principais dificuldades, apontam a tese, estão relacionadas aos processos industriais, às diferenças climáticas das regiões do Brasil e às condições de transporte e estocagem, impostas por longas distâncias entre as fábricas e os pontos de distribuição final. Por meio dos aditivos emulsificantes triestearato de sorbitana e o estearato de sacarose – ambos baseados em açúcares e bastante utilizados pelas fábricas –, Maria Aliciane modificou as gorduras industriais em termos de polimorfismo, consistência e microestrutura, alcançando resultados satisfatórios que podem servir de base para a indústria e futuras pesquisas científicas.

Além de aumentar a estabilidade e homogeneidade de misturas, os emulsificantes podem ser usados como alteradores do processo de cristalização. Durante a pesquisa, eles foram adicionados a três tipos de gorduras industriais livres de ácidos graxos trans: a gordura interesterificada (modificada) de soja, o óleo de palma e uma fração média do óleo palma. “Conseguimos fazer com que as características de cristalização dessas gorduras fossem modificadas. Os testes, portanto, demonstraram resultados satisfatórios que servirão como base de informação.”

A principal contribuição da tese, na avaliação da pesquisadora, foi o alcance de resultados práticos e funcionais, comparados às gorduras hidrogenadas – especialmente no caso da gordura interesterificada de soja. “Uma comparação da curva de sólidos e da cinética de cristalização demonstra que as características físicas da gordura interesterificada de soja são muito parecidas com as de uma gordura comercial. Só que esta gordura não tem trans”, acrescenta Maria Aliciane Domingues.

Alternativas industriais
A química Lireny Aparecida Guaraldo Gonçalves, orientadora da tese de doutorado, sustenta que, apesar de nocivas à saúde, as gorduras hidrogenadas e trans são tecnologicamente melhores dos que as gorduras saudáveis. Uma distinção que tem desafiado os fabricantes de guloseimas, uma vez que as linhas de produção das fábricas praticamente não sofreram modificações desde que o alerta sobre os malefícios à saúde das gorduras trans surgiu, há alguns anos, o que de certa forma mudou o hábito alimentar de muitos brasileiros. “As indústrias vêm buscando alternativas para conseguir fazer com que as gorduras mais saudáveis, como as interesterificadas, tenham as mesmas características das gorduras trans, sem que se façam grandes alterações físicas dentro das plantas de produção industrial, o que exigiria um custo muito alto. Uma tentativa de equacionar o problema da substituição das gorduras trans por outras com características diferentes, mas com aplicabilidade semelhante, é o desenvolvimento de pesquisas”, incentiva Lireny.

A pesquisa desenvolvida na Unicamp é especialmente relevante, ressalta a química, por detalhar informações e dados ainda não encontrados na literatura científica. Os resultados obtidos ainda servem de referência ao setor, uma vez que propõem a possibilidade de ser alterar as gorduras sem grandes mudanças no laioute industrial. “A pesquisa da Aliciane é muito importante, pois apresenta um nível de detalhamento ainda não encontrado na literatura científica sobre o tema”, conclui Lireny.

O QUE SÃO

» Emulsificantes
Aditivos aplicados para dar massa leve, consistente e aerada aos alimentos, estabilizando a mistura de dois líquidos imprescindíveis, geralmente óleo e água. Uma das suas ações é modificar a cristalização da gordura.

» Gordura trans
A gordura trans natural, também denominada CLA, é aquela contida em alimentos oriundos de animais ruminantes, como leite e carne bovina. Este tipo de gordura é consumido há séculos pelo ser humano e pesquisas demonstram, inclusive, que podem ser benéficos à saúde.

A gordura trans industrial é um tipo de gordura criada em laboratório e muito usada pela indústria de alimentos para dar textura, sabor e aumentar a validade dos alimentos, mas que o organismo humano não reconhece e acaba afetando o seu funcionamento normal. As doenças associadas ao consumo desse tipo de gordura são principalmente as doenças do coração, excesso de peso e diabetes, mas as pesquisas demonstram também influência em certos tipos de câncer, problemas fetais e infertilidade.

» Gordura vegetal hidrogenada
É um tipo específico de gordura trans obtida por meio da hidrogenação industrial de óleos vegetais (que são líquidos à temperatura ambiente), formando uma gordura de consistência mais firme. Durante o processo de hidrogenação, átomos de hidrogênio são inseridos aleatoriamente até que a gordura atinja a consistência desejada.

DE OLHO NO RÓTULO
Para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, responsável pela rotulagem de alimentos no Brasil, o consumidor deve examinar a tabela nutricional do produto que está comprando. Se a quantidade exibida é maior que zero, tem gordura trans. Se não houver nenhum número, não tem. No entanto, pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) feita em 2001, sugere que não é bem assim. No estudo, a pesquisadora Bruna Maria Silveira comparou a tabela com a lista de ingredientes de 2.327 embalagens de alimentos coletados num grande supermercado de Florianópolis (SC). Metade deles tinha entre os ingredientes algum composto com gordura trans, mas apenas 18% traziam um número maior que zero na tabela nutricional. A pesquisa encontrou ainda 23 nomes diferentes para o tipo de gordura que pode conter ácidos graxos trans. Para a pesquisadora e sua orientadora, Rossana Pacheco da Costa Proença, líder do Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições da UFSC, uma padronização na nomenclatura resolveria parte do problema. Mas, segundo a Anvisa, apenas três dos 23 nomes estavam irregulares. A explicação estaria na própria legislação. A gordura trans só “existe” para a tabela nutricional quando ultrapassa 0,2 g na porção indicada pelo fabricante. Na época de divulgação do estudo, Rossana afirmou: “A função da rotulagem é informar o consumidor e ajudá-lo a fazer escolhas. Nossas pesquisas demonstram que a rotulagem, como está, não funciona adequadamente”.

Fontes: Unicamp, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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